18 de junho de 2009

Minhas férias, pula uma linha, parágrafo.

Era o primeiro dia e era para ser a aula de português, mas não era porque todo mundo estava contando das férias. E como todo mundo queria contar mais do que ouvir, o barulho na classe estava mesmo ensurdecedor. O que explica o fato de ninguém ter escutado a professora gritando para a gente parar de gritar. Todo mundo estava bem surdo mesmo. Mas quando ela bateu com os livros em cima da mesa, a nossa surdez passou e todo mundo olhou para ela. Ela estava em pé, na frente do quadro-negro e ficou em silêncio, com uma cara bem brava, olhando para a gente.
Quando um professor está em silêncio com uma cara bem brava olhando para você, é melhor também ficar em silêncio com uma cara de sem graça olhando para um ponto qualquer que não seja a cara brava do professor.
A professora puxou a cadeira dela e se sentou.Atrás dela, no quadro-negro, eu vi decretado o fim das nossas férias e o fim do nosso primeiro dia de aula sem aula. Estava escrito:

Redação: escrever cinquenta linhas sobre as férias.

Eu sabia que as férias de ninguém iam ser mais as mesmas na hora que virassem redação. É simples: redação é legal, mas redação com tema é ridículo! Quando somos obrigados a transformar as nossas férias numa redação, elas não são mais as nossas férias, são a nossa redação. Perdem toda a graça.
Todo mundo tirou o caderno de dentro da mochila. Menos eu. Eu fiquei olhando para aquela frase no quadro enquanto os zíperes e velcros das mochilas eram os únicos barulhos na sala. De repente as nossas férias ficaram silenciosas. Onde já se viu férias sem barulho? Além do mais, eu tenho certeza de que a professora nem quer saber de verdade como foram as nossas férias. Ela só quer saber como é a nossa letra e se a gente tem jeito para escrever redação. Aqueles dois meses inteirinhos de despreocupações estavam prestes a virar cinquenta linhas de preocupações com acentos, vírgulas, parágrafos, novas regras de gramática, e ainda por cima com a letra ilegível depois de tanto tempo sem treino. Por isso que eu odeio (eu disse ODEIO) redações com temas. E é por isso que eu amo escrever em blogs. Soltar a imaginação sem ter que se prender a um tema ou a um mínimo de linhas é reconfortante depois de um cansativo dia de aula extremamente limitado.
(Autor desconhecido – blog)

Um comentário:

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